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REDES DE PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO TECNOLÓGICO: UM  PROJETO GOVERNAMENTAL BRASILEIRO

REDES DE PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO TECNOLÓGICO: UM PROJETO GOVERNAMENTAL BRASILEIRO

 

Christiana Soares de FREITAS*

Corinto MEFFE**

 

 

RESUMO: Este artigo apresenta resultados de pesquisa realizada a respeito de um projeto governamental brasileiro voltado para a formação de uma rede de produção compartilhada de software público, conceito este desenvolvido pelos próprios autores do projeto. Os preceitos teóricos da Escola de Análise de Redes Sociais (WASSERMAN; FAUST, 1994) foram referências para a obtenção e avaliação dos resultados. Conceitos contemporâneos associados ao contexto da economia da informação em rede (BENKLER, 2006) são discutidos criticamente quando relacionados aos dados obtidos. O principal objetivo da pesquisa foi investigar as implicações econômicas, políticas e sociais da rede que constitui o projeto. Foram analisadas as características dos seus atores, suas práticas, relações, normas e formas específicas de apropriação de capital social e capital tecnológico-informacional na Rede do Portal do Software Público Brasileiro.

PALAVRAS-CHAVE: Software público. Redes sociais. Capital social.

* UnB – Universidade de Brasília. Departamento de Administração. Brasília – DF – Brasil. 70000-000 – cfreitas@unb.br

** Secretaria de Logística e de Tecnologia da Informação. Ministério do Planejamento. Brasília – DF – Brasil. 70046-9000 – corintomeffe@gmail.com

 

Introdução

O governo federal brasileiro, a partir do Plano Plurianual de 2004, incluiu, entre seus programas prioritários, o programa de “inclusão digital”. Seu objetivo principal, que persistiu no Plano Plurianual seguinte, consistia – e consiste – em “promover a consolidação de uma Sociedade do Conhecimento inclusiva, orientada ao desenvolvimento social, econômico, político, cultural, ambiental e tecnológico1”. Seu público-alvo são as “comunidades e segmentos cuja situação imponha dificuldade de participação na Sociedade do Conhecimento”. Desde então vários projetos vem sendo desenvolvidos, como os espaços comunitários de inclusão digital voltados para o acesso maior da população brasileira às tecnologias da informação. Os exemplos mais significativos são os telecentros2. Esse artigo tem como intenção apresentar os resultados de pesquisa conduzida a respeito de um projeto integrante desse conjunto de diretrizes políticas mais abrangentes do governo federal que visam à difusão do acesso à informação e ao conhecimento. O projeto do Portal do Software Público Brasileiro foi objeto de pesquisa empírica desenvolvida durante os anos de 2008 e 2009.

Os preceitos teóricos da Escola de Análise de Redes Sociais (Social Network Analysis – SNA) – ou Teoria de Redes Sociais – foram fundamentais para a compreensão do objeto pesquisado. Um dos conceitos centrais dessa perspectiva analítica enfatiza a importância de se considerar a relação de interdependência entre as ações dos atores e as redes sociais estabelecidas, estruturadas para abrigar tais ações e constituídas, também, como resultado dessas ações. São privilegiadas, portanto, as análises que interpretam a sociedade atual caracterizada por redes – formadas por teias de relações sociais nem sempre estáveis, geralmente fluidas e multidirecionais.

A unidade de análise da Teoria de Redes Sociais supera uma clássica dicotomia nos estudos do campo das ciências sociais, aquela entre a explicação que privilegia a estrutura social e aquela que tem como foco analítico central o indivíduo. A Teoria de Redes Sociais tem como unidade de análise a relação que se estabelece entre os atores de uma determinada rede. O seu poder explicativo está na relação que é capaz de fazer transparecer as características – possibilidades e limitações – tanto das estruturas sociais quanto dos indivíduos (WASSERMAN; FAUST, 1994).

A Teoria de Redes Sociais tem como principal objetivo identificar padrões organizacionais com base na interação entre os indivíduos. A vida de cada um é significativamente condicionada pela maneira como esse indivíduo está ligado a uma teia específica de conexões sociais em determinadas redes ou organizações. Muitos teóricos que adotam essa corrente defendem a ideia de que o sucesso ou o fracasso de uma determinada organização, por exemplo, depende dos padrões de interação existentes em sua configuração.

São inúmeros os trabalhos produzidos a partir da aplicação dos conceitos e métodos da Teoria de Redes Sociais. Wellman, professor da Universidade de Toronto e coordenador de um dos mais produtivos grupos de pesquisa na área de sociologia da tecnologia, analisa tanto redes sociais quanto redes sociais virtuais, muitas vezes elaborando quadros comparativos entre ambas. Algumas pesquisas desse autor são reconhecidamente pioneiras no que tange à aplicação dessa Teoria e à compreensão de grupos existentes no ciberespaço, seja na Internet ou em outras redes virtuais, como as Intranets. São várias as formas de análise de uma rede social. Caminhos possíveis para a compreensão de suas características e mecanismos de funcionamento incluem a elaboração de gráficos como recursos para visualização de laços sociais e a construção de matrizes como forma de definir os principais atributos de uma rede.

O uso de tal arcabouço teórico é relativamente novo, especialmente quando a intenção é estudar aspectos da realidade brasileira. O objetivo da pesquisa aqui apresentada é analisar práticas e valores de uma rede virtual de produção de conhecimento tecnológico, mais especificamente de software público, proposta e construída principalmente pelo governo federal brasileiro. Vale salientar que o conceito de software público foi criado ao longo do processo de construção da própria iniciativa pelos atores responsáveis pelo projeto. A rede brasileira de produção deste tipo de software é o projeto governamental em questão e o objeto da pesquisa. A iniciativa é possível, atualmente, graças às condições tecnológicas existentes e ao contexto político favorável a mudanças voltadas para a democratização social e a políticas públicas destinadas à ampliação do acesso à informação e ao conhecimento no país.

Além disso, o momento hoje vivido, por vários autores caracterizado como a segunda fase da Revolução Tecnológica e Informacional (BENKLER, 2006; TAPSCOTT; WILLIAMS, 2007), constitui-se período histórico que apresenta inovações significativas, como a possibilidade de construções de redes sociais compartilhadas, constituídas por conexões múltiplas e não sequenciais. Tais características permitem, por parte do usuário3, a produção simultânea e colaborativa de informação e conhecimento no ciberespaço. O contexto societário, portanto, é propício ao desenvolvimento de práticas compartilhadas de construção de conhecimento, tanto científico quanto tecnológico.

Características organizacionais são significativamente alteradas. Órgãos governamentais e instituições as mais variadas começam a adotar ferramentas como blogs, salas de bate-papo e redes peer-to-peer (ou “de par para par”), em conexões diretas estabelecidas entre indivíduos ou entre grupos, muitas vezes sem que as estruturas hierárquicas assumam importância significativa. Essas práticas tendem a tornar os processos mais céleres e a facilitar a comunicação. Tais possibilidades “[…] garantem aos trabalhadores individuais um poder sem precedentes para a comunicação e a colaboração de maneira mais produtiva. Isso, por sua vez, engendra uma nova revolução qualitativa no local de trabalho.” (TAPSCOTT; WILLIAMS, 2007, p.300). Percebe-se, portanto, que uma das características básicas das várias formas de apropriação, uso e distribuição de conhecimento atualmente é a construção coletiva, que ocorre segundo uma lógica inovadora que marca as diferentes práticas, relações e valores contemporâneos (FREITAS; MEFFE, 2008).

Benkler, ao analisar a primeira década do século XXI, afirma que

[…] uma série de mudanças nas tecnologias, na organização econômica e nas práticas sociais de produção tem criado novas oportunidades para a criação e troca de informação, conhecimento e cultura. Essas mudanças têm colaborado para o desenvolvimento da produção não voltada para o mercado e da produção não-proprietária. (BENKLER, 2006, p.14).

Indivíduos realizam trabalhos cooperativos em amplas redes de produção, mais ou menos densas, gerando conhecimento compartilhado ou coletivamente construído. A Internet, que permite não apenas o compartilhamento de ideias, valores e ideais, mas também a disponibilização de meios de colaboração os mais variados, exerce papel fundamental no processo de transformações. Para compreender esse processo outro conceito destacado é o de commons based peer production, que designa a nova forma de produção comum por pares. Segundo Simon e Vieira (2008), o conceito trata de uma propriedade compartilhada por uma comunidade, ou de um commons. Representa uma nova modalidade produtiva de riquezas, em que uma comunidade aberta coopera, de forma essencialmente espontânea, descoordenada e voluntária, para a produção de um bem informacional ou cultural compartilhado. Esse modelo é diferente daquele de organizações tradicionais, cujo funcionamento é rígido e tem como base hierarquias ou a produção de bens para o mercado (SIMON; VIEIRA, 2008; BENKLER, 2006).

Outra diferença significativa é que os indivíduos dessas redes, que produzem commons, não estão, necessariamente, preocupados com os modelos tradicionais para patentear o conhecimento produzido ou garantir que a autoria de determinado produto – neste caso um produto tecnológico – seja conferida a apenas um indivíduo ou grupo. É o que Benkler denomina, como já citado, “produção não-proprietária”. Nesse sentido, Soares afirma que “[…] o conceito tradicional de propriedade com titularidade única, emprestado da Ciência Jurídica, passa a ter que se adequar a uma nova realidade, em que bens de informação podem ser criados, usados, transformados e até destruídos de maneira difusa.” (SOARES, 2010, p.02). Alia-se a essa característica o fato de que os custos de transação digital são compartilhados e significativamente reduzidos, colaborando para “[…] o acesso ilimitado de agentes a recursos e a projetos, a criação/modificação difusa dos bens de informação por meio de um processo de engenharia heterogênea e a transferência trans-fronteiras (quase) imediata de bens de informação, vaporizando as fronteiras internacionais.” (SOARES, 2010, p.02). Isso não significa, contudo, a inexistência do desejo de reconhecimento e prestígio por parte dos integrantes dessas redes de produção.

Tais práticas compartilhadas de produção de conhecimento são possíveis graças à adoção, em larga escala, de artefatos tecnológicos inovadores definidos como “[…] tecnologias de computação social.” (TAPSCOTT; WILLIAMS, 2007, p.310). O desenvolvimento dessa produção estrutura-se “de baixo para cima”, em que a opinião e a participação de todos os integrantes da rede são fundamentais. A produção é paralela, difusa e atemporal; tende a compor uma cadeia específica de produção de bens informacionais e intangíveis (MEFFE, 2008a).

O software livre é exemplo claro das características do momento atual, uma vez que possibilita criar, modificar e distribuir as informações e códigos segundo a lógica de produção compartilhada, horizontalizada, em rede. Representa elemento constitutivo central do período histórico em questão, subvertendo lógicas de trabalho, produção e lucratividade. O software livre não é apenas uma iniciativa econômica ou um artefato tecnológico. Nasce como um movimento social, com princípios políticos que visam à liberdade de compartilhamento de conhecimento e informação4.

No caso da iniciativa estudada, o software livre deixa de permear apenas a esfera privada de produção (locus onde geralmente ocorre seu desenvolvimento) e passa a ser desenvolvido na esfera pública a partir da construção e adoção do conceito de software público. Percebe-se que os limites entre os espaços públicos e privados são cada vez mais tênues. A pesquisa revela que essa característica atual é uma tendência também no campo de produção de conhecimento tecnológico. Nuria Grau descreve tal cenário ao afirmar que “[…] o mundo já não admite mais posições absolutas, nem em relação ao privado e nem ao público, mas antes reivindica a sua reinterpretação para que o ser humano possa ser localizado, realmente, no centro do desenvolvimento.” (GRAU, 1998, p.47).

O conceito de Software Público Brasileiro

O software público brasileiro, objeto da pesquisa aqui apresentada, projeto do governo federal brasileiro, é exemplo de um espaço virtual de convergência entre esferas de ação dos setores privado e público, correspondendo às demandas da sociedade atual. Sua estrutura conceitual básica tem origem nos princípios do software livre. Após a liberação do primeiro software público brasileiro – o CACIC5, em 2005 – o conceito passou por processos contínuos de consolidação. Hoje, as diferenças entre o software livre e o público são claras. Os princípios e requisitos tecnológicos do software público são similares aos do software livre. A liberdade em relação ao uso do código-fonte é, também, central para o desenvolvimento do software público. Tal como o livre, o software público pode ser executado, estudado, modificado, distribuído e redistribuído com as alterações realizadas por todos os interessados.

As três diferenças conceituais mais importantes dizem respeito ao conceito de bem público, ao seu modelo de produção como sustentação de uma economia cujos bens mais significativos são os bens intangíveis e ao fato de se considerar o bem software como um direito do cidadão. Além dos requisitos tecnológicos similares aos do software livre, o software público tem como intuito atender a demandas da sociedade brasileira (MEFFE, 2008b), ao mesmo tempo em que é, também, beneficiário do modelo de produção compartilhada de produção de conhecimento tecnológico. Esse processo de retroalimentação pode ser observado a partir do momento em que a própria sociedade colabora para o desenvolvimento da iniciativa e para o aperfeiçoamento dos artefatos disponíveis. Constitui-se, com o modelo, uma base pública de produção compartilhada de software no país. O software público pode ser definido, em poucas palavras, como um bem tecnológico público de uso geral, sendo a sua cadeia de produção comum e compartilhada. As regras que orientam os rumos dos projetos, soluções e caminhos da iniciativa são decididas coletivamente (FREITAS; MEFFE, 2008).

O Portal do Software Público Brasileiro, espaço virtual que abriga os artefatos – ou softwares – coletivamente construídos, foi lançado em 2007 sob a coordenação da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento do Governo Federal brasileiro. O Portal é considerado um “[…] ambiente colaborativo que não apenas reduz os custos do governo como possibilita o aprimoramento dos artefatos tecnológicos.” (SANTANNA, 2007).

No início do ano de 2010, o Portal do Software Público Brasileiro disponibilizava à sociedade trinta e seis soluções – ou softwares públicos. Tais soluções eram utilizadas por 66 mil usuários cadastrados à época na Rede do Portal. Em 2008 a rede crescia a uma média de 1.500 usuários por mês. Em 2009 a média já ultrapassava dois mil novos cadastros mensais. Cada software é construído, quotidianamente, por uma determinada comunidade de interesse. Cada comunidade, por sua vez, possui um coordenador para as contribuições feitas à produção do software e para os debates em torno de diversas questões que envolvem o artefato e a rede (como prêmios oferecidos a aqueles que se destacam em sua comunidade).

A rede de produção de software público constrói-se como resultado da interação entre os valores e interesses de cada grupo envolvido no processo de construção desse artefato. Esse resultado, por sua vez, é observado a partir do momento em que se chega à solução das controvérsias entre posições, valores e práticas díspares. Interessante observar que essa rede sociotécnica6 é o exemplo mais claro daquilo que Latour (2000) ressaltou em seu livro “Ciência em Ação” e que, para a concepção tradicional do que seja o conhecimento científico, já no século XX, surgia ainda como uma afirmação um tanto questionável: “[…] a construção de fatos e máquinas é um processo coletivo.” (LATOUR, 2000, p.34). O que antes representava uma rede de produção compartilhada, disponível para observação apenas pelos atores que dela participavam, hoje pode ser acompanhada – e construída – por todos que tenham interesse, pois é uma produção de conhecimento tecnológico que se faz quotidianamente em uma esfera pública.

É de fundamental importância a observação dos interesses, práticas e valores dos atores sociais envolvidos nas negociações e tramas dessa Rede. Bijker aponta como elemento-chave para a identificação de atores sociais relevantes em uma rede a atribuição, dada e compartilhada, de determinados significados por seus integrantes a outros e a eventos correspondentes (BIJKER; HUGHES; PINCH, 1994). Para tanto, foram identificados quais os grupos que apresentam interesse no desenvolvimento da Rede e de seus artefatos, representando, cada qual, determinada posição de interesse e domínio na rede considerada. Cada um dos grupos relevantes interfere e norteia, em maior ou menor grau, o processo de definição dos objetivos e metas do desenvolvimento do Portal. Essa intensidade de interferência e poder de decisão variam de acordo com o nível de inclusão e de participação – política e técnica – de cada ator ou grupo. A pesquisa realizada visou à apreensão das especificidades dos objetivos dos atores diversos que interagiam. Para tanto, foram traçados os variados perfis dos grupos que participam da Rede – seus distintos e muitas vezes conflituosos interesses, valores e práticas.

Os atores que integram a rede do Portal do Software Público Brasileiro são os mais variados: pessoas físicas e jurídicas, entre elas agentes governamentais, profissionais liberais, representantes do setor empresarial e do terceiro setor. Para a compreensão dessa rede heterogênea foi necessário perceber e analisar a “estrutura tecnológica” que representa o contexto com o qual cada integrante da rede está comprometido. Essa estrutura tecnológica, ou technological frame, é definida por Bijker, Hughes e Pinch (1994) como o conjunto de elementos que orientam padrões de comportamento adotados pelos atores considerados.

Tais padrões de comportamento variam de acordo com os ideais e valores de cada grupo. Percebe-se a existência de alguns grupos básicos, cada qual com suas estratégias e práticas específicas de ação. Vale observar que esses grupos estão aqui divididos tipologicamente para fins analíticos (WEBER, 1995). Significa que, na prática, um grupo da Rede, com determinados papéis a desempenhar, será constituído de indivíduos que se enquadram nas diversas posições ideológicas e políticas apresentadas a seguir.

O primeiro grupo é aquele que construiu o conceito de software público ao longo do desenvolvimento do projeto e reivindica espaço próprio e diferente daquele ocupado pelo movimento do software livre. Para os integrantes desse primeiro grupo, segundo respostas a perguntas abertas do questionário disponibilizado, sua iniciativa é “completamente distinta (daquela do software livre), pois se cria, com o novo artefato, uma tecnologia constituída como um bem público”. Já um segundo grupo, com número significativo de indivíduos, preocupa-se com a consolidação do software livre na sociedade brasileira. Apóiam o software público como uma forma de garantirem mais espaço para esse tipo de artefato tecnológico na esfera pública. Nesse sentido, percebem mais semelhanças do que diferenças entre as duas concepções. O terceiro grupo a destacar são aqueles indiferentes a essa questão política. Percebem o software público como um meio adequado para o alcance de fins diversos, entre eles a economia possível com o seu uso e a melhoria da gestão de processos, especialmente nas esferas municipais, estaduais e federal.

O caso dos empresários é ilustrativo das diversas posições políticas existentes em um mesmo grupo social presente na Rede do Portal. Enquanto alguns deles defendem radicalmente a iniciativa, outros revestem as intenções alicerçadas na lógica de maximização dos lucros e benefícios – ao ingressarem em uma Rede com quase setenta mil usuários (ou potenciais clientes) – de um discurso singular. Segundo respostas obtidas às perguntas do questionário disponibilizado, o fato de alguns empresários disponibilizarem gratuitamente um software na Rede do Portal é interpretado, por eles mesmos, como uma “obrigação moral”. Um empresário afirmou que acredita na necessidade de “dar uma contribuição à sociedade”, ou seja, proporcionar um benefício à sociedade não associado ou atrelado a relações comerciais.

Já outro grupo de empresários afirmou perceber a Rede como “neutra” quando relacionada ao modelo de negócios. Considerou que disponibilizar a solução no Portal não altera a sua forma de realização de negócios. Na verdade, esse ator tem como interesses oferecer serviços aos seus clientes e o software, sem custo de licença ou de aquisição. O empresário utiliza a Rede como forma de expansão da demanda para os seus serviços. Percebe-se, nesse caso, exemplo claro de uma posição indiferente às questões políticas que muitas vezes perpassam as práticas e estratégias dos indivíduos integrantes da Rede do Portal do Software Público Brasileiro.

Vários aspectos, portanto, não necessariamente profissionais ou associados diretamente à produção de conhecimento tecnológico, condicionam o ingresso e a participação dos atores na Rede. A possibilidade de produção compartilhada de artefatos é um dos elementos condicionantes do crescimento e sustentação da Rede e não o único.

Metodologia da pesquisa

A pesquisa teve como objetivo principal analisar as implicações sociais, políticas e econômicas dessa rede virtual de produção de conhecimento tecnológico que transforma o momento vivido e é por ele transformado. Os resultados foram obtidos a partir de respostas dadas a um extenso questionário, disponibilizado no Portal do Software Público por três meses, de dezembro de 2008 a fevereiro de 2009. O questionário continha questões fechadas e abertas, distribuídas em 17 seções com propósitos distintos, como traçar o perfil socioeconômico dos integrantes da Rede, avaliar o seu nível de comprometimento com as atividades desenvolvidas, mapear as relações comerciais que se estabelecem no ambiente do Portal e avaliar a qualidade do Portal segundo aqueles que o utilizam.

Foram obtidas 1.130 respostas ao questionário, posteriormente categorizadas e analisadas utilizando o software Statistical Package for Social Sciences (SPSS). Com o número considerável de respostas obtidas foi alcançado um intervalo de confiança de 2.9%, dado este calculado a partir da relação entre o número de respostas obtidas e o total dos indivíduos que integram a Rede. Esse resultado garante a realização de inferências confiáveis a respeito do universo pesquisado com uma margem de erro significativamente reduzida.

Os resultados da pesquisa focam três grandes aspectos da realidade que se intenta analisar: o perfil dos atores da Rede (suas práticas e normas inovadoras), o desenvolvimento socioeconômico por ela proporcionado e o fortalecimento do Estado a partir da iniciativa desenvolvida.

O primeiro conjunto de indicadores da pesquisa é aquele que será tratado aqui nesse artigo. Interessou analisar a posição social do indivíduo na rede de produção de conhecimento tecnológico (ou de software público), seus valores, interesses (principalmente profissionais) e práticas. Fundamental, também, foi observar as relações estabelecidas e o que significa a iniciativa do software público para aqueles que participam de sua construção e manutenção. Foram observadas as formas de apropriação de capital social pelos atores da Rede e como essa apropriação foi estimulada – ou não – na rede do Portal do Software Público Brasileiro.

O segundo grupo de indicadores analisado diz respeito ao desenvolvimento socioeconômico proporcionado pelo uso do software público no país. Foram observadas possibilidades advindas da produção compartilhada de conhecimento como caminho para o desenvolvimento econômico e para a obtenção, por parte dos seus integrantes, de maior inserção no mercado de trabalho. De acordo com os resultados obtidos, concluiu-se que a acumulação de capital tecnológico- informacional pelos atores da Rede é parte fundamental do processo que gera possibilidades de inclusão social e econômica.

O capital tecnológico-informacional é o conjunto de disposições – materiais e imateriais – necessárias para a inserção do indivíduo na sociedade do conhecimento. Nasce como expressão da crescente necessidade de controle e gerenciamento de máquinas que vivem – e convivem – com grande parte dos indivíduos nas sociedades contemporâneas. Nesse cenário cresce a demanda por um conhecimento específico que viabilize o trânsito dos grupos e atores por teias de relações que frequentemente requerem tal domínio. Esse conhecimento pressupõe condições específicas de formação social, cultural e educacional dos indivíduos. Tais condições integram o que é aqui denominado capital tecnológico-informacional7. Quanto mais esse capital estiver presente como parte integrante do habitus8 de cada indivíduo, mais chances ele terá de obtenção de conhecimento e reconhecimento. Esse novo conjunto de disposições adquiridas é constituído por três elementos básicos: conhecimento específico9, aparato material necessário para pôr em prática tal conhecimento apreendido e condições sociais que permitam a aquisição do conhecimento para lidar com as tecnologias da informação (FREITAS, 2004).

Mecanismos específicos são desenvolvidos para garantir a atribuição de posições distintas nos diversos campos de atuação, distribuindo, de forma desigual, o poder entre os indivíduos (FREITAS, 2003). Um novo conjunto de conhecimentos e valores começa a se formar, aliando-se ou confrontando-se com aquele já tradicionalmente estabelecido. Determinados tipos de conhecimento e informação, por exemplo, passam a ser necessários, senão indispensáveis, para o alcance de objetivos os mais variados. Para a obtenção de capital tecnológico- informacional, por exemplo, alguns cursos técnicos ou profissionalizantes são, muitas vezes, imprescindíveis. No caso dos grupos que trabalham e desenvolvem programas no campo da produção de software livre ou de software público, os cursos profissionalizantes tendem a ser indispensáveis.

Uma conclusão não menos importante é a redução dos custos governamentais, gerando economia para o país e contribuindo, assim, para o seu desenvolvimento. Foram analisadas as relações e interesses que se estabelecem entre os diversos grupos envolvidos em atividades econômicas no Portal. Empresas, universidades, instituições governamentais e prestadores de serviços constroem uma rede de negócios no espaço virtual em questão. Essa rede desenvolve relações sociais que dinamizam as interações entre a esfera privada e a pública, redefinindo seus conceitos, características e propósitos (GRAU, 1998).

O terceiro conjunto de dados refere-se às questões que permitem avaliar as consequências do projeto do software público para o fortalecimento de Estados Nacionais. Um exemplo é o reconhecimento da iniciativa por redes internacionais, como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Foi estabelecida parceria entre este Programa e o Ministério do Planejamento do Brasil (MPOG), visando ao desenvolvimento do “Software Público Internacional”. Seu objetivo principal é a difusão da iniciativa para outros países da América Latina e Caribe ampliando, posteriormente, sua implementação.

Devido à extensão significativa das conclusões da pesquisa, em função da quantidade de dados coletados, este artigo apresentará os resultados do primeiro grupo de questões. Os demais serão tratados em dois artigos futuros, cada um focando em um conjunto de aspectos observados (desenvolvimento socioeconômico e fortalecimento do Estado). Portanto, o objetivo do presente artigo consiste em apresentar as características da rede social do Portal, de acordo com a Teoria de Redes Sociais (SNA) e, em seguida, relacioná-las a aquelas que dizem respeito a práticas, normas e formas de apropriação de capital social pelos seus integrantes.

 

Tipos de Redes Sociais e a Rede do Portal do Software Público Brasileiro

De acordo com a Teoria de Redes Sociais, uma rede social é compreendida como um conjunto finito de atores e as relações entre eles estabelecidas. Redes sociais serão aqui analisadas de acordo com os elementos que as compõem e com base na dinâmica que define os seus mecanismos de funcionamento. Três conceitos são fundamentais para a compreensão de redes sociais: ator, laço social e relação social (WASSERMAN; FAUST, 1994).

Atores sociais estabelecem relações – ou conexões – entre si, criando laços que são, por sua vez, construídos com base em diferentes tipos de relação entre um par de atores ou mais. A unidade de observação de um laço social é o par, constituído por dois atores que caracterizam uma díade. Laços sociais estabelecidos entre indivíduos de determinada rede representam meios – ou canais – de transferência de recursos (sejam estes materiais ou imateriais). Tais laços representam a relação entre atores, unidade de análise dessa perspectiva teórica (FREITAS, 2003; RECUERO, 2009).

Uma relação é “[…] o conjunto de laços de um tipo específico entre integrantes de um grupo.” (WASSERMAN; FAUST, 1994, p.20). Pode-se ter, por exemplo, laços de família considerados em determinada rede para o estudo das consequências sociais de novas tecnologias reprodutivas. Em um grupo existem vários laços, cada qual referente a determinado tipo de relação. Tipos diferentes de relações estão presentes em um mesmo grupo. Para fins de análise, faz-se necessária a separação teórica desses tipos distintos, como forma de compreensão mais acurada de suas especificidades. São elaborados quadros teórico-conceituais cuja construção assemelha-se aos modelos típico-ideais weberianos (WEBER, 1995).

As relações nas redes sociais podem ser direcionadas ou não-direcionadas. Quando um laço entre um par de atores tem uma origem e um destino claramente traçados, a relação é direcionada, com um ou mais fins específicos. Em uma relação não-direcionada, os laços entre atores não apresentam uma direção ou destino único e aparente. Todos os atores, nesse caso, podem ser receptores ou transmissores de mensagens.

Existem formas específicas de representação das redes e de seus subgrupos. Tais formas, como os gráficos, subgráficos e suas respectivas densidades serão apresentadas com maior riqueza de detalhes juntamente com os resultados da pesquisa. Redes sociais podem constituir-se como centralizadas, descentralizadas ou distribuídas (FRANCO, 2008). Uma rede centralizada é aquela em que um nó – grupo ou indivíduo – centraliza as relações e conexões entre todos da rede. Já a rede descentralizada possui vários centros, ou seja, não é mantida pela conexão a um único nó, mas apresenta vários centros de interação e trocas. A rede distribuída, por sua vez, é aquela que “[…] não apresenta valoração hierárquica entre os nós e todos os nós possuem mais ou menos a mesma quantidade de conexões.” (RECUERO, 2009, p.57).

A rede do Portal do Software Público Brasileiro é uma rede mista, ou seja, apresenta traços característicos de todos os tipos de rede, podendo ser esse um traço característico de redes do período da sociedade do conhecimento atual, caracterizada pela produção compartilhada de conhecimento e informação. Em algumas situações, características de uma rede centralizada são observadas, pois a coordenação do Portal possui a responsabilidade de condução geral das práticas e atividades na Rede10. Exerce, por exemplo, a função de moderar o que é postado nos fóruns. As várias comunidades possuem autonomia relativa com relação ao centro de coordenação da rede. Em cada comunidade, as decisões são tomadas coletivamente. Entretanto, a coordenação do Portal e a coordenação de cada comunidade possuem algumas responsabilidades, como a de orientar tecnicamente os atores envolvidos. Como são observados vários nós ou centros de interação e coordenação, a rede constitui-se, também, como uma rede descentralizada.

Ao mesmo tempo, a rede pode ser também considerada como “distribuída”. Ainda que haja funções diferentes para cada integrante, podendo sugerir uma hierarquia entre os seus atores em determinadas situações, um não tem mais importância formal do que o outro; apesar de a rede possuir uma coordenação central e coordenações secundárias (uma para cada comunidade que, por sua vez, constrói seu software público específico), esses papéis não são hierarquicamente atribuídos. A maioria das decisões é tomada em conjunto e de forma horizontalizada, ou seja, não-hierárquica.

Outras características de uma rede distribuída ou igualitária são notórias. Os seus atores sociais são móveis, não possuem apenas uma função ou papel a desempenhar. Um indivíduo pode participar de mais de uma subrede (comunidade), desempenhando diversos papéis (em uma ou mais de uma comunidade). Além disso, a rede é essencialmente heterárquica e flexível, ou seja, seus atores – principais ou não – são aqueles que decidem a respeito da maior parte das ações e práticas estabelecidas.

O primeiro tipo de relações existente na rede do Portal é aquele entre o centro de coordenação do Portal e os líderes de cada comunidade11. Interessante observar que esse conjunto – formado pelos integrantes da coordenação geral do Portal e pelos líderes das comunidades – é caracterizado por laços fortes e relações constantes entre seus integrantes. São os principais responsáveis pelo gerenciamento e manutenção de toda a rede. Este grupo pode ser considerado um “cluster” ou um “grupo de nós mais densamente conectados à rede” do que os demais (RECUERO, 2009, p.177).

Os coordenadores centrais e todos os líderes de comunidades, por sua vez, comunicam-se também entre si, com os integrantes das suas comunidades e das demais. As relações que se estabelecem são ora com o nodo central da rede – caracterizando laços fortes entre os nós – ora com o nodo secundário da rede, constituído por laços fortes e, também, por outros laços mais fracos. As relações sociais não são formalmente estruturadas nem hierarquicamente orientadas. O que acontece, portanto, é a comunicação de todos com todos.

Como a rede apresenta atores que exercem funções variadas, estes não se encontram, sempre, em uma mesma posição, dificultando a caracterização de um indivíduo de acordo com apenas um papel desempenhado na Rede. Como mencionado, um mesmo ator poderá exercer a função de coordenador do Portal, de líder de uma comunidade, de usuário ou de prestador de serviços. Cada ator deixa de ter um papel único, um perfil pré-estabelecido ou estaticamente dado. Todos assumem variadas formas. Esta é, inclusive, uma das características centrais dessa rede: não há funções rigidamente atribuídas a um indivíduo particular. Nesse sentido, características de uma rede distribuída são notórias.

Observa-se, portanto, que os integrantes do Portal possuem uma “identidade virtual fluida”. Um indivíduo assumirá diversas funções de acordo com as demandas do momento. Será usuário caso queira fazer o download de determinado software; será desenvolvedor de software12 se quiser contribuir para a programação do seu código-fonte e será prestador de serviços – seja pessoa física ou jurídica – caso queira oferecer serviços ao mercado e assim por diante. Uma pessoa não representa apenas um grupo – ou interesse – dentro da rede. A função ou o papel que desempenha na rede, em determinado momento, irá construir a sua lógica – fluida – de ação.

Como forma de estabelecer um modelo analítico para observar a preponderância de determinadas funções, foi perguntado a cada respondente do questionário com qual das funções exercidas na rede a pessoa identificava-se mais. Os resultados demonstram que cerca de 60% consideram-se usuários. Interessante observar que, em uma rede de produção compartilhada de conhecimento, em que é dada a todos a oportunidade de contribuir efetivamente para a criação de um produto tecnológico, poucos são aqueles que a aproveitam. Cerca de 19% dos respondentes, ou menos de um terço do percentual de usuários, afirmaram ser “desenvolvedores de software”, ou seja, 204 integrantes do universo de 1.130 respondentes. Todas as demais opções foram escolhidas por menos de 100 indivíduos cada. Percebe- se, com isso, uma importância significativamente maior da função “usuário”. Essa constatação confirma a hipótese anteriormente mencionada de que outros fatores, além da possibilidade de produção compartilhada de conhecimento tecnológico, são responsáveis pela conexão entre os indivíduos e pela sua participação na rede. Outro motivo dessa identificação da maioria dos integrantes com o papel de “usuário” corresponde a fator que indica um caráter hierárquico na Rede: a necessidade de acúmulo de expertise necessário para pertencer a outros grupos ou desempenhar outros papéis, como o de desenvolvedor. Vale, com isso, reforçar a ideia de que a rede do Portal é uma rede mista, apresentando características de relações hierárquicas e de outras, mais fluidas.

Mais do que compreender as características dessa estrutura formalmente dada, a análise dos seus laços e relações sociais e políticas permitem a compreensão da dinâmica de funcionamento dessa rede. A pesquisa observou que as relações desenvolvidas de forma espontânea e pouco centralizada ou coordenada garantem o sucesso da iniciativa. Os laços formam-se progressivamente, de acordo comos interesses e valores comuns, de acordo com as motivações dos atores em suas diversas subredes sociais (ou comunidades).

Outro dado significativo a caracterizar essa rede como distribuída foi obtido a partir da pergunta que pedia a cada respondente que indicasse um líder em alguma comunidade da qual participasse. Nenhum líder foi significativamente mais indicado do que outro. Vinte e seis pessoas foram indicadas. Dessas vinte e seis, a grande maioria (dezoito) recebeu apenas um voto. A quantidade de votos que cada um recebeu variou de um a doze, ou seja, uma variação mínima entre o mais e o menos votado. Cada um dos atores (ou nós) citados foi conectado ou relacionado aos demais com mais ou menos o mesmo número de votos. Observa-se, aí, uma das características fundamentais das redes distribuídas: os atores possuem mais ou menos a mesma quantidade de conexões entre eles, sem que tais conexões estejam imbuídas, necessariamente, de valorações hierárquicas.

No interior de uma determinada comunidade (ou subrede), o líder não é necessariamente considerado aquele mais importante para o funcionamento da comunidade do que os outros usuários. Muitos integrantes, que não são os líderes formais de uma comunidade, foram citados como “a liderança mais importante na comunidade”. Ainda assim, dada a existência da função, os líderes de cada comunidade representam nós centrais na rede e são pela maioria considerados fundamentais para a sua organização. Significa que este nó central possui maior grau de conexão, proximidade e intermediação com os demais atores da rede podendo, a partir dessas características associadas a sua centralidade, exercer influência maior ou menor sobre os demais integrantes e suas práticas (FREEMAN, 1979). São os nós considerados, na Teoria de Redes Sociais, “conectores” ou “hubs”, ou seja, “[…] nós que possuem muito mais conexões do que os demais em uma determinada rede” (RECUERO, 2009, p.177).

Existem, também, conexões não-recíprocas ou “links unilaterais” no Portal. Significa que vários atores apenas recebem informações ao invés de compartilhar ou contribuir efetivamente para a manutenção do Portal. Isso porque, nessa rede, não é necessária a interação com outro ator para manter a conexão ou o pertencimento. Esse tipo de rede, de filiação ou associativa, é composto por várias redes menores e estas não estabelecem, necessariamente, relações entre si. É uma rede “[…] mantida pelo sistema, mais estável e que exige menos esforço dos atores sociais para ser mantida (e daí a conseqüência de ser maior a apresentar topologias mais centralizadas)” (RECUERO, 2009, p.101). Essa característica pode explicar o fato da pouca participação dos atores sociais naquilo que é o objetivo principal de todo o sistema de desenvolvimento da rede: a produção compartilhada de software público.

Além disso, a possibilidade de criação coletiva em um ambiente de pluralismo político e horizontalização das relações hierárquicas nem sempre gera a almejada flexibilidade e democratização. Estas não ocorrem como resultado natural da disponibilidade do recurso, mas a partir do planejamento estratégico e da adoção de políticas voltadas para fomentar tal transformação. O desenvolvimento tecnológico permite práticas inovadoras que, muitas vezes, não correspondem a práticas e valores há muito adotados. Seriam ações similares a aquelas que Weber concebeu como “ações tradicionais”, em que as atitudes são tomadas sem reflexão. Ou seja, torna-se hábito absorver aquilo que é oferecido sem a ação – ou intenção – de transformar o que é – ou está – dado (WEBER, 1995).

Percebe-se, como alguns elementos expostos já deixaram transparecer, que outras motivações, não necessariamente aquelas associadas às características de uma rede de produção de conhecimento tecnológico, são observadas na rede do Portal, alimentando sua continuidade e manutenção. Talvez a mais importante seja aquela que associa a participação dos integrantes da rede ao movimento em defesa do software livre na sociedade brasileira. Interessante observar que grande parte dos respondentes indicou participar do Portal por essa razão. Aproximadamente 80% dos seus integrantes afirmaram que a principal motivação para a sua participação é “apoiar o uso do software livre”. Significa que esses atores identificam-se com esse movimento social e veem, nas diretrizes traçadas pelo software público, possibilidades também para o desenvolvimento do software livre.

Ao responderem à pergunta “Você considera que o Software Público fortalece o Software Livre no Brasil?”, as respostas foram, em sua grande maioria, afirmativas. Quase 94,5% dos respondentes afirmaram que o software público fortalece, sim, o movimento em prol da adoção, em maior escala, do software livre pela sociedade brasileira. As variações em torno das respostas afirmativas apontam outras características interessantes do modelo conceitual do software público. Do universo pesquisado, 56% afirmaram que o software público favorece o software livre “devido ao conjunto de soluções disponibilizadas no Portal”. Além disso, 22% afirmaram existir tal fortalecimento devido à possibilidade de estruturação e consolidação de um modelo de negócios com base no software livre ou software público, já que são observadas possibilidades consideráveis de parcerias no ambiente do Portal. A partir dessas motivações, valores são transmitidos pela rede mediante conversas em chats, trabalhos conjuntos, cooperação e solidariedade. Representam formas de sociabilidade na Internet que autores contemporâneos associam ao conceito de capital social (PUTNAM, 2000; RECUERO, 2009).

Formas de apropriação de capital social na Rede do Portal

O conceito de capital social refere-se “a um valor constituído a partir das interações entre os atores sociais” (RECUERO, 2009, p. 45). De acordo com Putnam (2000), designa “[…] características da organização social como confiança, normas e sistemas que contribuem para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas” (PUTNAM, 2000, p.27). Esse tipo de capital tende a fortalecer laços sociais, fato observado na rede do Portal; elementos aglutinadores justificam a sua existência, como a participação da maioria dos seus integrantes no movimento político em defesa do software livre. Os conflitos são administrados pelos coordenadores – do Portal e das comunidades – para que esses elementos aglutinadores, produtores de coesão social e responsáveis pela manutenção e reprodução da rede, tornem-se mais significativos do que todos aqueles que porventura possam surgir e vir a gerar conflito.

O modelo teórico aqui adotado para a compreensão da importância do capital social na rede do Portal segue os conceitos descritos acima e aquele construído por Recuero para a compreensão de capital social, estabelecendo conexões entre as teorias que desenvolvem o conceito, como as de Putnam (2000), Bourdieu (1983) e Coleman (1988). Nesse sentido, o capital social é considerado “um conjunto de recursos de um determinado grupo que pode ser usufruído por todos os seus integrantes, ainda que individualmente; baseia-se na reciprocidade (de acordo com Putnam), está embutido nas relações sociais (como explica Bourdieu) e é determinado pelo conteúdo delas” (RECUERO, 2009, p.50).

Bertolini e Bravo (2001) apresentam uma classificação em que buscam operacionalizar o conceito de capital social, estabelecendo categorias em que este capital pode ser encontrado. Tais categorias são divididas em dois grandes grupos: aquele que diz respeito a recursos relacionados a aspectos individuais e outro associado a aspectos da coletividade.

Quanto aos aspectos individuais, três categorias de primeiro nível são elaboradas. Em primeiro lugar, destaca-se a categoria relacional, referindo-se a laços, trocas e contatos estabelecidos. Observa-se, por exemplo, a necessidade de reconhecimento do usuário da rede pelos seus pares (popularidade e reputação) e a importância, para esse usuário, da visibilidade que a participação na rede proporciona. Além disso, o suporte social e a solidariedade também são observados como fundamentais para a construção e manutenção dos laços sociais na rede do Portal do Software Público Brasileiro.

Fica explícita, em algumas perguntas abertas do questionário em que o indivíduo podia escrever livremente e discorrer sobre a sua opinião acerca de vários temas, a importância da participação nas atividades das comunidades para obter visibilidade. Fundamentalmente relevante também é o reconhecimento e o poder que essa participação traz ao indivíduo na estrutura das relações da rede e fora dela. Duas funções foram destacadas no que tange à obtenção de status e reconhecimento: “sustentar uma comunidade” e “ser o seu líder e principal ator a solucionar os problemas que surgem quando do desenvolvimento do software”. Várias respostas, por outro lado, ressaltaram o caráter do Portal como uma rede de interação social. As respostas que ratificam tal afirmação são o “contato com pessoas”, a possibilidade de obter “notícias sobre o software livre” e a “divulgação de trabalhos”. Aqui, elementos associados à categoria relacional podem ser observados.

A segunda categoria, a normativa, associa-se a regras, normas e valores adotados. Esses valores são comumente percebidos quando os ideais coletivos, defendidos pelos integrantes da rede, são veementemente defendidos. A participação na Rede como forma de construir relações entre indivíduos com os mesmos propósitos políticos, por exemplo, é uma demonstração da presença deste tipo de valor.

Respostas evidenciaram as razões voltadas para a defesa de tecnologias abertas, como o software livre. As principais alternativas assinaladas foram a vontade de “estimular o software público”, por acreditarem que o software não deveria ser um bem proprietário, o desejo de “limitar o poder das grandes empresas de software” e “resolver um problema que não poderia ser resolvido por um software proprietário”.

Outra característica a ser destacada nesta categoria normativa é a das regras de funcionamento da Rede. Ao invés de bem estruturadas e instituídas, são encontradas de forma dispersa na rede do Portal. Isso porque as próprias normas são fluidas, não estatutárias. Muitas vezes, essa característica gera a impressão de que a estrutura da rede é caótica e que tais normas não existem. Entretanto, ao observar o quotidiano dos atores e suas interações, percebe-se que as normas são claras para todos e estão dadas, ainda que não formalmente escritas ou constantemente explicitadas. Tal análise é possível com a observação dos chats, das interações entre os atores, das regras de funcionamento das comunidades, das reuniões realizadas entre coordenadores, líderes de comunidades e usuários; são regras conhecidas, reconhecidas – e seguidas – por todos. Em encontros virtuais nos chats ou troca de mensagens nos fóruns não se deve, por exemplo, fazer propaganda de uma prestação de serviço. Quando se percebe que existe uma intenção comercial por trás de uma atividade voluntária, o ator é banido temporariamente do ambiente e recebe uma mensagem que explica o comportamento correto e o motivo de sua retirada temporária do Portal.

A terceira categoria de primeiro nível é a cognitiva ou informacional. A obtenção de informação e conhecimento é o que interessa aqui. Quando indagados a respeito da principal motivação para participar do Portal, além do apoio ao software livre, 59,5% dos respondentes selecionaram a opção “obter softwares que preciso para o meu trabalho”. A motivação voltada para a “troca de conhecimento com outras pessoas” foi selecionada por 57,5% dos respondentes, demonstrando a importância da troca e da busca por informação e conhecimento.

O principal motivo para se cadastrar no Portal é o interesse profissional. Este supera em 15% o interesse pessoal. Como foi visto, a rede é utilizada como um meio para a consolidação da carreira profissional de seus integrantes e como uma forma de obtenção de reconhecimento e prestígio perante seus pares.

A busca coletiva por uma solução a um problema dado é também exemplo de elemento associado à categoria cognitiva. Em várias entrevistas realizadas foi apontada a autoridade angariada por um determinado ator social a partir do momento em que ele obtém, progressivamente, mais popularidade na rede com a solução de problemas técnicos, geralmente disponibilizados para todos. Aquele(s) que consegue(m) resolver um desses problemas alcança(m) notória autoridade, poder e/ou reconhecimento em seu grupo ou comunidade. Interessante observar, portanto, que o interesse em buscar conhecimento e informação não está dissociado dos demais elementos associados aos valores, práticas e relações. Relações de poder e autoridade permeiam toda a Rede. A produção solidária e compartilhada de conhecimento não exclui relações de poder e desejo por reconhecimento. O conhecimento que se persegue é aquele que garantirá, também, reconhecimento (BOURDIEU, 1994).

Vale salientar que as características observadas nessa categorização associam-se fortemente a benefícios não-monetários. Estes foram observados como fatores significativos de coesão entre os atores da Rede. Dentre os seus atores, 62% afirmaram obter compensações ou retornos não-financeiros. Estão entre os mais citados a aquisição e troca de conhecimento e informação, a produção compartilhada de conhecimento tecnológico – como o desejo de “compartilhar conhecimento”, de “aprender e desenvolver novas habilidades”, “buscar ajuda para por em prática uma grande idéia para um software” e “participar de uma nova forma de colaboração”. Todas essas questões relacionam-se aos aspectos cognitivos salientados.

Ao perguntar a respeito das principais vantagens existentes no modelo do software público brasileiro, a questão que apontava a possibilidade de geração de renda (um benefício monetário) foi assinalada apenas por 8,5%, enquanto outras questões, relacionadas a vantagens não-econômicas, obtiveram percentuais acima deste. Fica evidente, portanto, a importância dos benefícios não-monetários para a constituição de laços – especialmente fortes – entre os nós ou atores da rede.

Os aspectos da coletividade são considerados por Bertolini & Bravo (2001) como a estrutura de segundo nível. Duas categorias revelam-se fundamentais: a confiança no ambiente social – garantindo as relações mantidas em função da confiança depositada nas ações do outro – e a institucional, em que são observados diversos níveis de cooperação e integração entre os atores que, por sua vez, refletem a estrutura de determinada organização – formal ou informal.

A confiança no ambiente construído e o fato de a rede ter um forte respaldo institucional, governamental, estimulam a participação dos usuários e o interesse de diversos atores em disponibilizar soluções (softwares) públicas na Rede. O conjunto de indivíduos envolvidos cresce permanentemente. Já existem, por exemplo, soluções destinadas especificamente a municípios (como softwares destinados à gestão administrativa das escolas públicas e de gestão municipal integrada), estabelecendo um elo maior entre governo federal e prefeituras. Existem empresários que decidiram disponibilizar soluções sem custos de licença na Rede, estreitando as relações entre governo e determinados setores do mercado. Acredita-se no sistema e no modelo estabelecido e é isso que mantém os laços e relações que permitem a condução das ações e a manutenção da rede.

Foi observado, também, que o Portal apresenta fortes características institucionais. Apenas 4% dos respondentes identificaram-se como pessoas físicas. Ao perguntar a respeito da origem institucional de cada ator, percebe-se que o Portal apresenta características claras de uma rede cujas categorias construídas por Bertolini e Bravo (2001) são verificadas. Os níveis de integração e cooperação são significativos13. Além de ter traços que apontem claramente para a presença dessas categorias institucionais, observa-se, também, a integração, em um mesmo espaço, de indivíduos oriundos das mais diferentes instituições. Do total de indivíduos que participou da pesquisa, 29% possuem vínculos com entidades do setor público federal dos poderes executivo, judiciário e legislativo. Aqueles ligados à iniciativa privada representam 24% dos respondentes, aparecendo, também, como um número significativo de participantes.

A grande maioria possui vínculos empregatícios sólidos, tem um nível de escolaridade e remuneração acima da média da população brasileira e estão no Portal em busca de laços sociais que lhes permitam obter soluções, oportunidades ou resolver problemas relacionados aos artefatos tecnológicos construídos e utilizados.

 

Conclusão

A rede social do Portal do Software Público Brasileiro possibilita o desenvolvimento de novas práticas e normas sociais que correspondem à economia da informação em rede. São práticas que revelam duas formas atuais de produção que tendem a adquirir, a cada dia, mais importância para o desenvolvimento das sociedades contemporâneas: a produção voltada para o mercado de bens intangíveis e os modelos de produção abertos, livres e públicos, considerados, por alguns autores, como modelos de produção não-proprietária (BENKLER, 2006).

No Portal, observa-se uma rede que se estabelece visando à produção de artefatos tecnológicos para a sociedade brasileira. Esse objetivo precede a intenção de estabelecer relações comerciais, ainda que muitos atores, principalmente representantes do mercado, como empresas, façam parte da rede com esse intuito. Além disso, a produção não-proprietária é central para o entendimento do funcionamento da Rede. A possibilidade de criar, alterar e distribuir programas de forma livre é um dos principais fatores a motivar aqueles que participam do Portal. Relaciona-se ao movimento social e político em defesa do software livre e aos novos desafios lançados à sociedade contemporânea. A noção de produção livre em uma esfera pública, observada no processo de produção de conhecimento tecnológico na rede do Portal, apresenta semelhanças significativas com a definição de Simon e Vieira quanto à propriedade compartilhada por uma comunidade – o commons (SIMON; VIEIRA, 2008). O bem compartilhado, não necessariamente voltado para a obtenção de lucros ou ganhos econômicos, é construído e utilizado por todos. É um bem comum que circula e se transforma simultaneamente.

Benefícios obtidos com o uso do software público foram destacados pelos seus usuários, comprovando as possibilidades maiores de inclusão social e digital a partir do uso da Rede do Portal do Software Público Brasileiro. Uma das razões para o possível aumento de oportunidades é a aquisição de capital tecnológico- informacional, aumentando o conhecimento específico de cada integrante da Rede. Esse aumento, por sua vez, gera reconhecimento e prestígio perante as comunidades, proporcionando mais oportunidades de trabalho e geração de renda. Portanto, a característica de produção de conhecimento tecnológico de forma pública e compartilhada não exclui, direta ou necessariamente, interesses profissionais – e ganhos econômicos – que permitam aos seus atores participação maior nas relações de poder desse campo específico de produção. Segue-se a lógica da necessária obtenção de conhecimento para a aquisição, também, de reconhecimento e poder.

Foi observado que a rede do Portal do Software Público, apesar de constituir-se, sobretudo, como uma rede de produção de artefatos tecnológicos, apresenta percentual relativamente baixo de indivíduos que a utilizam para esse fim. Várias são as razões possíveis, como a própria constituição da rede em vários subgrupos com indivíduos que apenas integram a rede sem que, de fato, dela participem efetivamente. Além disso, as opções apresentadas pelo avanço tecnológico não são, muitas vezes, plenamente aproveitadas por aqueles que dele podem se apropriar em função de práticas e valores tradicionalmente estabelecidos. Entretanto, percebe-se atualmente uma tendência, por parte do setor público, a desenvolver políticas públicas que acelerem a adoção de possibilidades tecnológicas ofertadas.

Foi observado também que, no ambiente informacional disponibilizado, os indivíduos tendem a assumir um papel mais ativo junto à sociedade, potencializando as possibilidades de alcance de liberdade individual e reconhecimento profissional, fomentando a participação democrática e uma cultura mais crítica e auto-reflexiva, características de práticas e relações do contexto da economia da informação em rede.

As várias formas de apropriação de capital social pelos integrantes do Portal também aparecem como um importante elemento a motivar a participação dos atores e a permitir o crescimento progressivo da Rede e a expansão do Portal do Software Público Brasileiro. Elementos como visibilidade, reputação, popularidade e autoridade são fundamentais para motivar a participação de todos. A criação das normas pelos próprios atores que as utilizam quotidianamente também é fator que gera coesão e laços intensos entre os seus integrantes. Outra característica decisiva para a participação de todos é a possibilidade de aquisição – e produção – de conhecimento em um ambiente onde a informação é, por todos, compartilhada.

Os dados revelam, ainda, que a maioria dos usuários da rede apresenta alto conhecimento específico – ou alto capital tecnológico-informacional acumulado – e que esse conhecimento é pré-requisito para a participação nessas novas relações sociais de trabalho. A lógica já conhecida da acumulação de capital repete-se na Rede estudada: quanto mais capital tecnológico-informacional o indivíduo possuir acumulado, mais chances ele terá de acumular, ainda mais, esse conhecimento. A partir do momento em que novas opções no mercado de trabalho surgem em função do conhecimento adquirido, suas chances de obtenção e acúmulo de capital econômico também aumentam.

Projetos como o que foi aqui estudado tendem a permitir não apenas o contato maior dos indivíduos com as inovações tecnológicas disponíveis, diminuindo a tendência à reprodução de práticas tradicionais na relação com tais inovações, mas também o envolvimento significativo em práticas democráticas. Tais formas de inclusão digital – que representam também, como observado, formas de inclusão social – tendem a aumentar as possibilidades de participação maior dos indivíduos em práticas sociais favoráveis à expansão e à consolidação da democracia.

1. Informações disponíveis em http://www.planobrasil.gov.br/

2. Telecentros são espaços públicos que permitem o acesso à internet e a outras tecnologias digitais pela população. Torna-se possível adquirir informações e obter dados para fins diversos, além de promover a integração das comunidades usuárias.

3. Usuário é aquele indivíduo que ingressa na Rede mediante a realização de seu cadastro. Podem participar de uma comunidade ou mais (cada qual referente a um software público), com o intuito de utilizar as soluções ou observar as redes estabelecidas em torno delas. Pode ter ou não o objetivo de contribuir para o processo de produção de um artefato participando das etapas de seu desenvolvimento.

4. O movimento tem como base quatro liberdades identificadas como imprescindíveis para a criação, a utilização e a distribuição do software livre. Segundo um dos líderes mais ativos e reconhecidos desse movimento, Richard Stallman, são quatro as liberdades indispensáveis ao usuário de um software livre: a liberdade de executar o programa, para qualquer propósito; a liberdade de estudar como o programa funciona e adaptá-lo às suas necessidades – vale ressaltar que o acesso ao código fonte é um pré- requisito para esta liberdade; a liberdade de redistribuir cópias de modo que você possa colaborar com os outros e a liberdade de aperfeiçoar o programa e liberar os seus aperfeiçoamentos, de modo que toda a comunidade se beneficie.

5. CACIC significa “Configurador Automático e Coletor de Informações”, o nome do software público em questão.

6. As redes sócio-técnicas são definidas como “[…] complexas relações estabelecidas entre atores humanos e não-humanos – elétrons, bactérias, indivíduos, grupos sociais, empresas, e assim por diante – que cumprem determinado propósito na realidade social e física; compreendem ligações e interações de diversas formas e conteúdos, voltados a determinados objetivos, não se limitando a um único organismo, instituição ou nação.” (TRIGUEIRO, 2002).

7. O conhecimento técnico associado ao conceito de capital tecnológico-informacional refere-se apenas a aquele voltado para o gerenciamento de tecnologias da informação. Diz respeito, portanto, aos artefatos tecnológicos que constituem infraestrutura para a criação do ciberespaço.

8. O termo habitus denota o conjunto de disposições introjetadas pelos indivíduos, orientando suas ações e valores; tais disposições são assimiladas de acordo com as condições sociais e históricas vividas (BOURDIEU, 1994). Cada campo da sociedade fornece o seu conjunto de elementos, considerados como valiosos pelos indivíduos que dele participam. O conjunto assimilado no campo científico, portanto, distingue-se daquele assimilado em outros campos da sociedade, como o político ou o econômico (BOURDIEU, 1994).

9. As tecnologias associadas ao capital tecnológico-informacional são aquelas que permitem ao indivíduo mais chances de obtenção, geração e distribuição de informação e conhecimento. Portanto, não engloba todo tipo de operação com artefatos tecnológicos. Não abarca, por exemplo, a utilização de Power Point em uma apresentação ou outro recurso qualquer não associado às tecnologias da informação.

10. A coordenação geral divide-se em dois grupos. O primeiro grupo relaciona-se à manutenção do ambiente do Portal; esse grupo subdivide-se em aqueles responsáveis pela gestão administrativa e outros pelas questões técnicas. O segundo grupo é composto pela coordenação de cada comunidade, que trata do planejamento das atividades e da disseminação do conceito do software público.

11. O líder de cada comunidade tem como função precípua coordenar as atividades e tarefas relacionadas ao software e à comunidade, tais como as sugestões para alteração do software, moderação dos chats, promoção e organização de fóruns e reuniões.

12. O desenvolvedor de software é considerado um usuário mais avançado do Portal, pois tem capacidade de interagir com o código de cada software disponibilizado. O desenvolvedor pode auxiliar na correção de erros, na sugestão de novas contribuições e contribuir de forma direta no código garantido a evolução do software. Um desenvolvedor pode ser representante daquele que oferta uma solução, e por conseqüência ser o responsável pela aprovação das contribuições ou, ainda, um voluntário que colabora no desenvolvimento do software.

13. Vale frisar que as duas categorias de segundo nível são a confiança no ambiente social – garantindo as relações mantidas em função da confiança depositada nas ações do outro – e a institucional, onde são observados diversos níveis de cooperação entre os atores que, por sua vez, refletiriam a estrutura de determinada organização – formal ou informal (RECUERO, 2009).

 

NETWORKS OF TECHNOLOGICAL KNOWLEDGE PRODUCTION: A BRAZILIAN GOVERNMENTAL PROJECT

 

ABSTRACT: This article presents the results of our research on a State government project concerning the development of a shared production network that focuses on the creation of public softwares in Brazil. The acquisition and evaluation of the results were based on the theoretical principles of the Social Network Analysis (WASSERMAN; FAUST, 1994). Contemporary concepts associated to the context of the networked information economy (BENKLER, 2006) were critically debated when related to the data obtained. The main goal of the research was to analyze the economic, political and social implications of the social network that constitutes the project. Characteristics of the actors, such as their practices, relations and norms, and also specific ways of obtaining social capital and technological-informational capital were examined.

 

KEYWORDS: Public software. Social networks. Social capital.

 

 

Referências

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Recebido em janeiro de 2010. Aprovado em abril de 2010.

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